Vinha tarde para casa quando vi um acidente. Nada que sugerisse ambulância, mas um molho de folhas garridas em mossas e chapa aos berros. Sigo até um outro, mais silencioso, que acaba de acontecer e pergunto-me se os dois quilómetros estariam fora da linha segura onde um portal de caos atingia a faixa. Viro a esquina e ia atropelando um gato. Galgo o passeio. Acordo no postal onde não gosto daquele escurecer precoce que as nuvens antracite provocam ao fim de um dia de outono. Tenho frio, gelo por dentro e sinto picos nos dedos, que não aquecem.
Hoje houve 2 acidentes e um gato que se safou. Olho e já choveu ali, sem me molhar.
Tudo à minha frente, uns segundos antes de mim.
Estás ai, não estás?
"Estás aí? Entrelaças-me o cabelo, aninhas-me a manta nas costas? Embalas-me? Responde-me, só desta vez, responde baixinho para não quebrar o encanto...Beija-me os olhos. Escreve-me num pangrama. Diz-me, subliminar numa notícia na rádio. Faz-me olhar contra um néon com sentido. Estás ai? Fica, ficas?"
Fotografia: "As asas do desejo", Wim Wenders
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