segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

Rosas




Era uma mancha escura em movimento lento pontilhada de fios grisalhos apanhados em puxos curvados por olhos postos no chão ou ao alto, rasos de água, abafados sem som nem convulsão de soluços. Havia entre eles, no meio das gentes, alguém que levava entre braços uma malinha de mão pesada que não largava nem queria partilhar o fardo. Segurava nela com as duas mãos o peso do pesar que trazia dentro de si. Só seu. Levava agarrado, parecia, o conforto e segurança do que ainda se reconhece, baluarte embalado no compasso do seu cortejo, na cadência dolente do entrançado desfeito dos cabelos prata e ouro, longos, antigos, onde cabia ainda a memória dos dedos dele em vida.

Hoje era assim. Amanhã, não sabia. Amanhã era o dia depois de todas as bodas juntos.

Sinto tanto meu bem. Lamento. Sinto até porque não sentes já. Sinto por ti que deixaste de sentir. Tu que devias poder sentir tudo. Sinto o triste de teres dito adeus há tanto tempo que hoje, dia de vela, não há despedidas para ti, não há rito de partida, essa aconteceu devagar por tanto tempo que, hoje, não há presente para carpir.

É um choro seco de alívio triste, libertador. Sinto o luto do virar dos dias que hão-de vir...
A morte, vivo-a por ti. Velo-te. Sei que não poderás fazê-lo por mim.