quarta-feira, 4 de março de 2020

Sem espólio





Vejo-te chegar. Ruges hurras à passagem, dás passos a fazer tremer o chão.
Sim, os bichos fogem, és o lobo do homem. És um e sem seres, sentes-te mil.
Vem! Desafio-te. Chega a mim num batalhão.

Aviso-te que me blindei, que não me fazes vacilar. Não me trespassas, não passas. Hoje nada podes. Mas vá, vieste, arremete então. Aponta e atira. Satisfaz a ânsia de deixares como touro o teu rasto e nuvem de pó no chão, no ar depositado em mim que não me faz pestanejar. Esgota as forças. Dá tudo. Lança-me chamas, charme. Investe! 
Sentes a náusea do esforço? A cãibra a tolher-te? Ensopaste-te em suor, esse que te oxida em ferrugem estaladiça o tronco? Olha-me! Vê-me indemne. Repara, não sorrio, não derramo choro a hidratar a terra. Queimei-a! Ficou estéril cultivada com escorrer do teu sal.  Não existo aí onde me defrontas, não me vergas porque não tenho mais corpo para dobrar e morderes a nuca. És um Homem sem lobo, sem batedor nem faro e não tens mais como seguir-me.

É agora que, sem perdão nem prisioneiros, te deixo partir. Levanta-te! Parte! Silencia a derrota e lambe exausto os pulsos já sem empunharem mangual. Apazigua-te. Nada temas, que não dou ao arauto anunciar solene a tua vergonha.


Photo: Faca 2005 Duarte Belo